Venho tentando escrever esse texto há algum tempo, são tantas coisas para dizer e ao mesmo tempo a sensação de que as palavras não são capazes de expressar todo esse sentimento, são muitas horas sem dormir pensando no que eu gostaria de dizer para outras mulheres que assim como eu perderam seus filhos, por fim, minha conclusão é que eu não gostaria de dizer nada a elas, apesar de saber que cada uma lida com seu luto de maneira diferente, minha vontade é apenas abraçá-las e deixá-las chorar em meu colo, afinal, era isso que eu buscava há um ano atrás e às vezes ainda busco.
Porém, também quero contar como foi sobreviver esses 365 dias após a minha perda gestacional…
Os primeiros dias do luto são SURREAIS, eu não conseguia acreditar em tudo que tinha me acontecido, eu olhava para minha barriga que em menos de um dia simplesmente deixou de existir, olhava pro meu companheiro com vergonha e me sentia culpada e impotente com a situação. Tudo que eu pedia em oração era que o Criador tivesse dó de mim e me tirasse dessa terra também, mas ainda assim minha ficha não tinha caído, eu ainda achava que era um grande pesadelo e que tudo iria ficar bem. Esses dias quase não existem em minhas lembranças.
Mas, alguns dias depois eu acordei com os seios cheios de leite e ninguém para amamentar, ali sim me dei conta do que havia acontecido. Naquele momento eu enxerguei os sonhos que haviam partido junto com os meus bebês, amamentar, ver aqueles pequenos olhos me buscando cheios de amor, ver os primeiros passos, o primeiro dia no colégio, foram tantos sonhos perdidos, foi ali naquela cama enquanto eu tirava o leite que eu me lembrei de ter saído de braços vazios da maternidade, de ter assinado os atestados de óbitos e ter resolvido todas as burocracias necessárias.
Eu tinha 21 anos e nunca imaginei que eu suportaria acompanhar tantas coisas, que provavelmente se fosse de minha escolha, eu pediria pra minha mãe resolver.
A vida às vezes nos balança mesmo, quando meu leite desceu eu senti esse chacoalhão que ela me deu. Minha perda foi em outro estado do país, quando voltei pra minha casa senti o peso do caminho percorrido, não é nem um pouco fácil entrar na casa que você preparou para receber seus filhos que não vieram, minha vontade era correr de lá o mais longe que eu conseguisse, sentar no chão, no meio de uma rua qualquer e chorar eternamente.
Mas eu não fiz isso, pelo contrário, fiquei na cama as primeiras semanas, não queria ver ninguém, nem falar com ninguém, nem comer, nem fazer nada. No fundo, eu queria ficar ali esperando a vida passar, o tempo todo eu sentia falta da despedida que não tive, o fato de não poder tocar nos meus filhos, não poder me despedir, ter visto os olhos do Luiz me procurando antes de partir e não ter correspondido naquele momento, não ter sequer visto o rosto do meu filho Felipe… isso me atormentava dia e noite, junto com as lembranças das violências sofridas em todo o parto.
O tempo passa e com ele a gente se acostuma com a dor, apesar dela não diminuir nem um pouco, mas pra isso precisamos ter paciência com a gente, precisamos nos permitir viver nosso momento de aceitação.
Pra mim, aceitar a perda dos meus filhos foi a parte mais difícil e demorou alguns longos meses.
Aqueles dias pareciam infinitos, enquanto minha mente funcionava a mil por hora tentando achar outro culpado – pra tirar a culpa das minhas costas- ao fim e ao cabo, por mais que existam erros no percurso, não há um culpado e eu demorei pra aceitar isso também!
Quando completou 4 meses do nascimento e morte dos meus filhos, eu acendi uma vela e pela primeira vez eu orei para eles, pedi perdão pela minha falha enquanto mãe, chorei ali, ajoelhada.
E foi nesse dia que meu coração afrouxou um pouco, o aperto diminuiu, a angústia cessou por alguns minutos, o peso das costas ficou um pouquinho mais leve. Foi um sentimento bom, um fio de sol em toda aquela tempestade e a primeira noite que eu dormi e descansei de verdade. A partir disso eu comecei a buscar incessantemente coisas que me fizessem ter esse mesmo sentimento, tentei fazer exercícios, tentei escrever, tentei cantar, tentei dormir, dessas diversas coisas meditar foi a melhor saída que eu encontrei pois nas minhas meditações eu conseguia viver tudo aquilo que eu havia perdido.
Apesar de tudo, cada momento que passei nesse um ano de luto me ensinou alguma coisa e, apesar da perda dos meus bebês, eu ganhei muitas coisas. Eu ganhei um grupo de apoio, que apesar de virtual, me deu novas perspectivas, eu ganhei a fé, ganhei bons abraços, bons colos, boas relações, ganhei mais cuidado com aqueles que me cercam, mais sensibilidade e amor, ganhei boas companheiras, eu ganhei força… Uma imagem traduz o que foi os últimos meses e nela tem uma frase:
“As mulheres são como águas, crescem quando se encontram!”
Pronto, foi isso, eu ganhei mulheres fantásticas ao meu redor, que apesar de não entenderem a minha dor seguraram na minha mão e não me deixaram cair nenhum segundo sequer e junto com essas mulheres eu ganhei um novo companheiro, meu companheiro de longa data que junto comigo amadureceu nesse processo, que me segurou em seu colo cada vez que meu corpo desfalecia de dor, que apertava forte meu peito cada vez que parecia que meu coração ia saltar pra fora de saudade, que me abraçava por horas todas as vezes que minha vontade era fugir, meu companheiro de vida e de luta que apesar da dor ficou ali, do meu ladinho todo tempo. É óbvio que um relacionamento passa por dificuldades depois de perder os filhos tão esperados, às vezes o desespero é conjunto, outras vezes a vontade de desistir de tudo é conjunta, mas a certeza de que outros dias viriam foi o que nos manteve até aqui.
Depois que voltei a trabalhar vi que ainda havia mundo além da minha bolha de dor e sofrimento, voltei a ler, a estudar, aos poucos eu me permiti sorrir e aceitar que, apesar dos momentos felizes que estavam por vir, aquela dor e aquela saudade ficariam aqui dentro.
Hoje, eu percebo que eu tinha medo, medo de me permitir viver sem meus filhos, talvez medo de esquecer e de deixar que as pessoas ao meu redor esquecessem-se deles, mas a realidade é que apesar dos muitos sorrisos e momentos felizes que tive nesse um ano, não houve um dia sequer que eu não tenha me lembrado dos filhos que perdi e, surpreendentemente, eu passei a lembrar não só dos momentos ruins no hospital e sim dos momentos bons da gravidez, das vezes que cantava para eles em meu ventre pra acalmá-los, das vezes que fiz xixi na calça com um espirro (apesar de trágico era engraçado) e não houve um dia desses 365 que eu neguei ao meu corpo o choro, talvez eu tenha chorado todos eles, não houve um segundo sequer desse um ano que eu tenha esquecido os meus filhos.
Hoje tenho a certeza de que apesar da ausência física dos meus bebês, eles fazem parte da minha vida mais do que nunca, afinal, eu me tornei mãe, eu me transformei em alguém que eu jamais imaginei ser e eu sou tão grata aos meus filhos por isso. Sei que por mais que chegue o meu bebê arco-íris, o Luiz e o Felipe serão sempre os meus anjos e que jamais serão esquecidos, sei também que eles intercedem por mim nesse mundo tão cruel e o que eu mais sei é que esse amor materno é a coisa mais incrível que eu já pude experimentar na vida. Eu já me senti menos mãe por não tê-los em meus braços, hoje a cada minuto que passa eu me sinto mais mãe, mais viva e mais forte!
A saudade faz parte, a dor fica aqui guardadinha e eu sigo na luta diária por amor a eles e por amor à vida que apesar de tudo é linda!
Luiz Emanuel e Felipe Miguel, meus eternos anjos!
Hoje fez um mês que perdi meu Henrique, ler seu depoimento me deu uma luz no meio de tanta dor.
Obrigada por partilhar… Que Deus te fortaleça na sua luta diaria.
Obrigada por partilhar. Sinta meu abraço apertado.
Que relato lindo …… Toda palavra me faz lembrar meu Luís Eduardo que foi pra junto de Deus no ano de 2017 com 24 semanas de gestação . Apesar de hj ter meu BB arco íris que o senhor me enviou a coisa mais linda 🤗 do mundo não o esqueço e o José Miguel que hj alegra e colori meus dias … Vira e mexe o pai dele TBM fala dele Luís Eduardo as vezes a saudade aperta e eu riu lembrando da minha barriga docbb lindo q ainda nasceu mais com 24 h partia levando meus sonhos e planos que eu tinha sonhado pra gente dor cruel sem explicação .
Sinto muito por vc, sei como se sente perdi dois bebês imensamente desejados em duas gestações diferentes, nunca pensei passar por isso, mas tenho que ser forte todos os dias para esperar por dias melhores.
Creio que essa falta nunca irá passar, mas lhe desejo força, sorrisos e novas histórias. Me emocionei com seu relato, tb já fiz o meu e foi uma forma de homenagear meus amores que todos já esqueceram, mas que eu não esquecerei jamais.
Receba meu abraço cheio de amor, eu te entendo e quero para vc dias cheios de luz e paz!
Querida Ana, desejo que Deus nos fortaleça em nossa luta. Fico melhor ao saber que minhas palavras foram capazes de ter dar uma luz no meio de tanta dor! Estamos e seguiremos juntas…. Grande abraço!
“Chorar eternamente”… melhor definição de uns dos sentimentos das mães de anjo(s)…
Parece que eu nunca vou chorar o suficiente por ter perdido a minha filha, a minha Larissa… Já se passaram 7 meses sem ela…
Saudades eterna!
Um forte abraço mamães!
Aiii minha querida. Sinta meu abraço bem apertado. Faz um mês que perdi meu Miguel estava de 10 semanas. É uma dor horrível. Mas Deus irá nos confortar.