Velando você, o que eu mais queria era te tocar, eu ficava desenhando na minha cabeça todos os teus traços e queria bater teu retrato pra nunca mais esquecer do quanto você era linda, eu queria pegar na tua mãozinha, tocar teu rosto, fazer carinho na minha bebê Iris, minha querida e esperada afilhada, queria cheirar tua cabecinha e afagar teus cabelos, eu queria pôr você no colo, mas fiquei sentada na cadeira do teu lado chorando, chorando muito sem coragem de chegar perto e parecer louca, e chorei mais ainda, com admiração, quando aquela mulher chegou com os passos firmes e foi até você, pegou na tua mão e falou no teu ouvido, que coragem a dela.
Depois disto, eu criei meia coragem e perguntei o que ela tinha dito a você, e ela me disse que pediu que levasse um terço pro filho dela que havia morrido, o terço que ela deu pro filho quando ele comprou a moto, e que ela achou no bagageiro da moto depois do acidente que o levou.
Minha comadre não estava no enterro da Iris, ela foi violentada de muitos modos desde a porta do hospital e por fim lhe negaram enterrar a própria filha. Foram muitas dores doendo juntas, como se um filho morto não fosse já um peso tão grave a se carregar.
Eu olhava você tão linda, tão perfeita, nunca tinha visto um bebê recém-nascido tão perfeito, e eu queria tanto ouvir você chorar, queria tanto ninar você, tanto. Mas éramos nós a chorar pedindo colo. O teu pai, fortaleza, se esforçava para abrir aquele sorrisão bonito dele e falar, ele falava da dureza que é entender como um ser que acabou de chegar tem que partir, agradecendo ao imenso amor que ela fez desabrochar em seu peito, eu não acreditava como teu pai conseguia dizer coisas tão bonitas e lúcidas numa hora daquela, e chorava dobrado, por mim e por ele.
Quando o caixão fechou eu tive certeza que a pior besteira naquele momento era não ter feito tudo o que eu queria, te tocar, te afagar, te cheirar, porque logo você estaria coberta de terra e eu nunca mais te veria nem poderia sentir o teu cheiro nem tocar o teu pezinho, tua mão, teu corpinho perfeito, lindo feito teu pai, iluminado e sereno como tua mãe.
Depois tive que voltar sozinha pra casa, e ver o quarto que arrumamos com tanto carinho, o teu bercinho vazio, estava cega de tanta tristeza e urrava de dor, os vizinhos me socorreram e me levaram pra conversar com uma pessoa e suas palavras de consolo aquietaram meu coração e me ajudaram a dormir.
No dia seguinte, aquela casa precisava receber teus pais, eu precisava buscá-los e auxiliá-los a atravessar aquele momento, saí na estrada avoada quando vi, finalmente, depois de todos aqueles dias na floresta, voando uma única arara no céu, ela rodeou o carro e eu parei, ela pousou numa árvore próxima e fixou o olhar penetrante no meu, depois voou novamente, aquilo me foi tão simbólico e me trouxe tanta força, me aprumei na direção e fui cumprir minha missão.
Tua mãe tentava sorrir e me disse que você a encheu de amor e foi a coisa mais feliz da vida dela, eu sabia que era a pura verdade, pois tua mãe prestes a parir era uma imagem indescritível de beleza, força e plenitude.
Eu engoli meu choro, voltei pra casa com teus pais, cuidei do corpo recém parido da tua mãe, pedindo às deusas que dessem para mim ao menos um pedaço daquela dor para carregar por ela. Tua mãe dizia e ainda diz que a tua vida não foi em vão, que tua passagem foi alegria para nós e tua partida deve encerrar um ciclo de tristeza e sofrimento na nossa família.
Eu olhava tua mãe sem acreditar naquela fortaleza toda, mas procurava e procuro entender aquelas palavras e fazer delas meu sentimento.
Cuidei como pude dos teus pais antes do dia de partir, com o imenso amor que tenho por eles e que me ajudou a compreender o porquê de estarmos ali os três juntos atravessando aquela dor e transmutando-a.
Hoje, um ano depois, é mais um dia que eu acordo cheia de saudade, penso em ti, nos teus pais, e agradeço por tudo de muito bonito que você nos deu e ensinou.
Um ano de luto se passou e eu decidi falar pública e claramente sobre a Iris – a despeito desse tabu que é falar e sentir a perda de um bebê – e agradecer a quem não tratou como loucura, mas perguntou como me sinto, quem encheu os olhos de lágrimas ao me ver bêbada extravasando a dor, quem perguntou pela minha comadre sem buscar explicações científicas nem incutir culpas em quem mais a amou, quem não fingiu que Iris, por estar morta e enterrada, nunca existiu. Iris não só existiu, como foi e sempre será profundamente amada.
Essa é uma carta para a minha bebê Iris, para mim, para sua mãe, seu pai, e todas as pessoas que possam compreender que o luto não é só dor, mas que essa dor dói mais na solidão.
Que coisa mais linda! Por mais madrinhas assim!💖💖💖
Lindo! Lindo!