24 de março de 2018 – Texto publicado em meu perfil particular numa rede social, no dia seguinte ao meu segundo aborto espontâneo:
“Sempre julguei mal quem fica expondo problemas pessoais na rede. Por outro lado, já se tornou um hábito que as pessoas, quando perdem seus entes queridos, façam a comunicação aos amigos, o desabafo, as homenagens, que exponham seus sentimentos em seu perfil. E é no desespero de desabafar a dor imensa que estou sentindo que comecei a escrever agora. É pra comunicar a perda de um ente querido, uma pessoinha que só existia há 7 semanas, mas que já era muito amada.
Ouvimos seu coraçãozinho, diferente dos seus irmãozinhos gêmeos que se foram em junho do ano passado antes que tivéssemos a mesma oportunidade. Fizemos planos, pensamos nas mudanças que teriam de ser feitas na casa pra acolher nosso bebê. E o irmãozinho mais velho já tinha decidido comprar um par de chinelos da “Dora – a aventureira” pra ela (porque eu tinha tanta convicção de que era uma menininha que convenci toda a família). Não saímos contando pra todo mundo, nos seguramos pra dar a notícia mais pra frente, talvez com a novidade mais completa, quando já tivéssemos certeza do sexo e do nome. Aqui em casa a família já tinha 4 pessoas, tudo já era tratado incluindo nosso amorzinho, que ainda era do tamanho de um grão de feijão, mas já tinha uma importância “deste tamanhão” pra nós.
De repente um pequeno sangramento, o ultrassom com a notícia de que o desenvolvimento não estava como esperado. Repouso, mais sangramento. Exames de beta HCG também sem a evolução esperada. Então, na madrugada do dia 23, uma cólica muito forte e sangramento abundante. Eu sabia o que estava acontecendo. Fomos para o hospital pra constatar e pedir alguma ajuda pra minha dor física. O médico confirmou o aborto e disse que saiu o “material” completo. Pedi pra ver meu bebê e me despedi ali daquela pessoa que vocês não conheceram, mas a quem já amamos muito. Saí da maternidade com meu amorzinho num potinho, para tentar encontrar respostas para essa perda horrorosa.
Estou despedaçada, mas sei que vou suportar, porque tenho o Gael que é meu foco. Por ele tenho vontade de ficar bem de novo, porque ele é quem me traz a alegria que às vezes penso que perdi pra sempre.
Devo admitir que sinto um certo alívio expondo tudo aqui, derramando a dor que está no meu coração. Tirei aquele peso ridículo do segredo, da forma de tabu com que tratamos o aborto espontâneo. Sofrer um aborto espontâneo é perder um ente querido. É uma morte na família que demanda luto, independentemente do tempo de gestação.
Obrigada a todos que souberam antes e expressaram seus sentimentos. Obrigada à nossa família, que está nos apoiando muito. E obrigada aos que dispensaram tempo pra ler esse longo desabafo.
Gael e Fábio, meu amor por vocês é imensurável. Aos meus filhinhos n° 2, 3 e 4, a certeza de que nunca irei esquecê-los e que, mesmo quando a dor amenizar, esse amor nunca terá fim.”
Meus amigos me acolheram além do que eu podia imaginar. Foram muitos coraçõezinhos e carinhas chorando, além dos mais de 130 comentários. Pessoas que eu nem imaginava revelaram ter passado por abortos espontâneos também. Foram muitas palavras de apoio, algumas perceptivelmente emocionadas e carregadas de empatia. Como era de se esperar, recebi sim aquelas mensagens padrão, expressões que as pessoas aprenderam a repetir nessas situações, acreditando verdadeiramente que elas possam trazer algum consolo. Apesar do incômodo que senti ao ler algumas delas, obviamente agradeci a cada manifestação individualmente, pois sei que todas foram expressões de carinho, com as melhores intenções e na sincera tentativa de me acalmar de alguma forma.
* Imagem do pingente que fiz com a representação dos meus 3 bebês perdidos.