O veado ferido (ao lado), obra de Frida Kahlo, mulher que sofreu várias perdas gestacionais. Vejo muito de Frida em mim principalmente nessa pintura datada no ano de 1946. Eu me sinto perante a sociedade um veado ferido por julgamentos e incompreensões. Lembro das pessoas perguntando se fiz algo para provocar a perda porque sou uma mulher feminista e defendo que todas as mulheres devem ter escolhas sobre seus corpos e não o Estado ou a igreja. Sim, eu sou a favor da legalização e discriminalização do aborto. O que não significa que eu provocaria um aborto porque vai contra os meus princípios e a minha fé.
Quando soube que perdi meu bebê pessoas tiveram a audácia de dizer que isso aconteceu porque sou a favor da discriminalização e legalização para que outras mulheres possam definir suas vidas. Meus princípios e minha fé nada têm a ver com a escolha do outro. Um momento delicado em minha vida e no qual precisei de muito amor e carinho das pessoas que amo e algumas pessoas que mesmo sem conhecer demonstraram mais afeto e empatia com minha dor. São essas pessoas capazes de me colocar no colo e dizer “Vai ficar tudo bem”.
Dois anos atrás, nessa mesma época do ano, passei por umas das situações mais difíceis da minha vida. Estava com 9 semanas de gestação e comecei a sangrar no dia 10/12/2016, eu e meu namorado corremos para o hospital e ao ser examinada constataram que o colo do útero estava fechado. O médico que me atendeu pediu repouso e um ultrassom para saber se estava tudo bem. Eu dependo do SUS e meu ultrassom foi agendado para dia 19/12/2016. Foram 10 dias sentindo muitas dores com leve sangramento e fazendo tudo para manter meu bebê forte.
Tantas coisas que a gente imagina sobre a maternidade e quando estamos grávidas percebemos o quão difícil é, o quanto muda a sua vida no momento em que você vê o positivo no exame. Eu descobri que estava grávida bem cedo, sou umbandista e uma certeza dentro de mim me dizia que eu esperava um bebê. Fiz o teste com apenas 3 dias de atraso na menstruação e tive a confirmação que precisava. Fui ao Hospital Odilon Behrens, em Belo Horizonte, porque usei um teste de farmácia no final de semana e estava ansiosa para confirmar através do exame de sangue. O médico confirmou. Gravidíssima. Iniciei na segunda o acompanhamento no posto de saúde através do pré-natal. Foi uma surpresa para nós dois saber que carregavámos um filho. A primeira pessoa para quem liguei foi minha mãe pois queria contar que seria avó.
As semanas se passaram e eu mudei completamente! Seguia uma dieta alimentar rica em vitaminas que eu e o bebê precisaríamos, bebia bastante água e o nutria também com meu amor. Às vezes parava no espelho esperando que minha barriga apontasse (risos). Conversava coisas diversas como contar as histórias dos Orixás, anunciar que o Brasil precisava de muitas mudanças e que eu educaria esse bebê sabendo amar e respeitar as diversidades. Em novembro, com 4 semanas apenas de gestação, escolhemos os nomes Ravi para menino e Maya para menina.
Escolhemos não esperar os primeiros três meses de gestação para contar aos nossos amigos e familiares, era tanta alegria em nossos corações e também tantas preocupações que optamos em contar o quanto antes a todos. Eu só me referia ao bebê como Maya. Nome tão lindo que escolhi com tanto cuidado e por seu significado. Maya porque sua avó é Maria e Maya porque eu amo a natureza. Não havia nada mais bonito naquele momento do que saber que eu estava gerando uma vida.
Eu pedia a Oxalá o Pai Maior para guardar você de todo mal, pedia que nos abençoasse e que cumprisse seus desígnios. Eu acredito com fé que fui escolhida por meu bebê enquanto espírito em outra dimensão espiritual. Portanto nossa ligação foi forte e tenho certeza absoluta que sente até hoje, onde quer que esteja, o meu amor de mãe.
Infelizmente a gestação foi interrompida, tive um aborto espontâneo e meu corpo se encarregou de fazer o que a natureza dele faz muito bem. Foram 10 dias sentindo uma dor imensa, doía meu corpo, meu coração e minha alma esta machucada até hoje.
Ninguém consegue compreender como passados 2 anos ainda me encontro em luto. Eu não sei explicar bem mas dói muito em mim. Eu não fiquei revoltada com Deus, pelo contrário, agradeci por ter me feito forte o suficiente para lidar com tudo isso. Eu rezo pela Maya, a vejo em meus sonhos e quando faço isso meu coração fica tranquilo. Outros dias eu choro pela saudade de tudo que ainda não podemos viver.
Minha família me machuca porque estão sempre a perguntar se eu não terei filhos. Respondo que não. Na verdade tenho medo de sofrer outra perda gestacional. Quando meu bebê estava protegido no meu ventre muitas eram as preocupações porque eu ainda sou estudante universitária. Minha situação financeira não é boa e um bebê precisa de cuidados. Não foi uma gestação planejada e no entanto recebemos com todo amor.
Se eu pudesse voltar no tempo faria tudo igual. Amaria com todas as minhas forças e aproveitaria cada segundo de vida que tivemos juntos. É uma saudade que só quem já sofreu uma perda gestacional ou neonatal pode entender.
Eu e minha irmã engravidamos juntas e coincidentemente na mesma semana! Nossas menstruações sempre acontecia juntas, um fato curioso. Minha sobrinha nasceu e está cheia de saúde. Às vezes dói porque inconscientemente eu olho minha sobrinha e penso como seria meu bebê, como seria a minha Maya.
Eu me sinto sozinha, principalmente nessa época de dezembro. Sinto saudades, uma saudade tão apertada. Que Oxalá nos proteja.
“Quando eu voltar pra Aruanda
Sei que vou te encontrar
Rodeada de crianças
Do lado de Iemanjá
Vou pedir a Omulu aos sagrados Orixás
Pra chover chuva de rosas quando eu for lhe abraçar
Perdoa Nanã perdoa
Perdoa que eu vou chorar.
Quem eu amava foi embora esta nos braços de Oxalá.”
Eu acredito de todo meu coração que meu bebê está em um plano espiritual planejando sua vinda em breve, que de lá ele zela por mim e manda boas vibrações de luz pois sabe que essa mãe aqui o ama muito. Seja qual for a missão e os ensinamentos, por mais dolorido que possa ter sido, eu agradeço pela dádiva de poder tê-lo gerado durante as 9 semanas em que permaneceu protegido comigo. O amor é um sentimento forte que ultrapassa dimensões e que nem o tempo explica. Estarei sempre à sua espera, meu doce bebê.