Já era de noite quando eu comecei a passar muito mal, não conseguia uma posição confortável pra dormir e parecia que havia uma festa no meu estômago que me fazia sentir muitos enjôos. Uma semana depois eu recebi um enorme POSITIVO no teste de gravidez. Foi um susto enorme, não vou mentir. Estava começando a faculdade, meu namorado não mora na mesma cidade que eu, não tinha emprego. Mas mesmo com toda essa confusão eu recebi muito apoio do meu namorado (que se apaixonou quase que instantaneamente pelo nosso filho) e da minha família.
Amar meu filho foi a coisa mais fácil do mundo. O sentimento cresceu antes mesmo que eu pudesse fazer alguma coisa a respeito. Eu sentia que meu corpo já não me pertencia mais, que meu corpo estava cumprindo a missão maravilhosa de gerar uma vida. E não qualquer vida. O meu filho.
Tudo era incrível, apesar dos momentos cansativos, das mudanças hormonais. Eu não havia sentido ele mexer, não havia feito uma ultrassonografia ainda, e mesmo assim eu já não me sentia mais sozinha. Sentia que eu tinha a pessoa mais importante do mundo no meu ventre.
É impossível expressar através de palavras todos os sentimentos, amor de mãe não se explica, se sente.
Fiz a primeira ultrassom com 6 semanas: o bebê estava bem. Coração batendo forte, tamanho legal, saco gestacional regular. Tudo no lugar. Eu respirei aliviada, era como se eu tivesse ganhado a maior das recompensas do mundo. Uma semana depois eu senti dores muito fortes, falaram que era normal, mas algo em mim falava que tinha alguma coisa errada. Fui no médico e ele disse que meu colo do útero estava fechado e que tava tudo bem, pois eu não tinha sangramento.
Não acreditei. Embora tudo demonstrasse o contrário, eu sabia que não estava tudo bem. Não conseguia parar de chorar e a angustia no meu peito crescia absurdamente. Eu estava morrendo de medo. Fui em um segundo médico que afirmou que meu colo do útero estava fechado, mas que iria pedir uma USG pra descartar qualquer coisa. Foi aí que meu inferno começou.
Na manhã seguinte marquei minha ultrasom com a médica que havia feito a primeira, ela sempre foi uma pessoa muito amorosa comigo, paciente e compreensiva. Entretanto nesse dia ela não conseguiu detectar o batimento cardíaco do bebê, preocupada ela chamou um segundo médico para uma opinião. O médico em questão foi super sem educação, invalidando completamente o fato de que ele estava lidando com uma mãe que estava perdendo seu bem mais precioso: seu filho.
Ele me tratou super mal, disse que eu “poderia desistir da ideia de ter um filho agora”. Oi? Como assim? Eu saí da clínica chorando muito. Me sentindo o pior ser humano do mundo. Eu não entendia, não entendia porque aquilo estava acontecendo comigo. Eu só queria que tudo estivesse bem com o meu filho. Eu só queria saber que eu daqui a alguns meses poderia ver meu pequeno.
Pediram para que eu refizesse o exame depois de uma semana, mas um dia depois o meu sangramento começou. Fui no médico novamente e me receitaram Ultragestan e repouso absoluto.
Naquele momento eu só queria que aquele inferno acabasse logo e que no final ficasse tudo bem com o meu filho. Apesar de todas as estatísticas serem desfavoráveis, eu ainda tinha esperanças de as coisas fossem terminar bem.
Parte fundamental dessa história foi a minha médica: ela foi um amor do começo ao final de toda essa história. Parecia sentir todas as emoções comigo, me ligava, mandava mensagem, tudo para saber como eu estava e se tinha algo que ela poderia fazer para me ajudar. Ela foi a médica mais humana que eu conheci e isso me ajudou demais, fez com que eu não me sentisse sozinha nos piores dias da minha vida.
Em uma sexta-feira o sangramento aumentou rapidamente e as dores também. Eu já não conseguia mais andar de tanta dor e eu só sabia chorar. Foi a noite mais longa da minha vida. No sábado de manhã eu fui na minha médica que me passou uma ultrasom para confirmar ou não o aborto. Fui na mesma clínica anteriormente citada porque ela é a melhor da cidade onde eu moro. Chegando lá a médica disse que eu estava sujando tudo de sangue e confirmou que meu bebê já não tinha mais batimentos cardíacos. Eu estava segurando o choro e perguntei se não tinha mesmo como ouvir os batimentos e ela gritou comigo perguntando se eu não estava prestando atenção no fato de que não tinha mais batimentos.
Eu só queria sair dali correndo. Eu só queria me sentir acolhida por alguém e eu me sentia completamente sozinha. Meu namorado estava longe, minha mãe estava longe e meu pai já é um senhor de idade que não sabia muito bem como lidar com essa situação.
Decidi que não iria guardar isso pra mim, escrevi um texto para o meu filho e isso foi libertador. Eu senti naquele momento que seria uma jornada difícil. Que validar a existência do meu filho talvez fosse a coisa mais difícil que eu teria que enfrentar, porque as pessoas não falam sobre a perda gestacional e quando falam ignoram a dor que ela carrega.
Minha dor jamais vai diminuir, eu perdi meu filho, afinal. Eu aprendo todo dia um pouco a lidar com ela, mas para isso eu preciso falar sobre. Não preciso de pessoas que ignorem o que aconteceu, que não me perguntem nem como eu estou.
Eu precisava me sentir acolhida e me senti por várias pessoas. Mas ainda assim eu vi pessoas próximas se afastando no momento em que eu mais precisei delas.
A dor de perder meu filho é incomparável com qualquer outra coisa que eu já tenha sentido. E o amor que eu tenho por ele é o maior sentimento do mundo.
Eu amo o meu filho e vou ser pra sempre sua mãe e é validar essa ideia que me ajuda a passar pelos dias mais dolorosos. Hoje eu uso o meu luto como forma de luta, como forma de falar sobre isso, mesmo que as pessoas não estejam dispostas a ouvir, porque isso precisa ser falado.
Quando fingem que a minha dor não existe, eu sinto que matam meu filho pela segunda vez.