Eu não tenho um bebê arco-íris. Não quero que tenham dó de mim, mas um pouco de respeito pela minha dor não seria nada mal.
Há dois anos, quando minha filha morreu durante o parto, eu não imaginava que estava se iniciando um dos momentos de maior dor e autodescobrimento da minha vida. Foram meses e meses de muito choro, muita raiva do mundo, dor, saudade do que não vivemos juntas. Passei do momento de maior alegria, que foi a minha gestação, para um momento de xeque-mate existencial:
Quem sou eu agora? O que quero pra minha vida? Eu ainda amo a minha vida? Quero viver? O que me dá alegria após a morte da minha filha? Por que e pra quê viver?
Foi um processo dolorido. Olhar pra mim e me redescobrir. Reencontrar as pequenas alegrias. Viajar com meu marido e conhecer novos lugares. Poder me sentir amada e amar. Olhar pro mundo e achar que ele ainda era bonito e valia a pena. Assistir TV com a minha mãe e gargalhar vendo o Silvio Santos. Brincar com os filhos das minhas primas e me sentir querida. Estudar, aprender coisas novas. Deixar um trabalho que me explorava emocionalmente. Conhecer novas pessoas. Sentir que posso ajudar as pessoas, acolhendo e falando sobre a minha filha.
Durante todo esse processo, a vontade de ter um segundo filho ou filha estava comigo. Pra ser bem sincera, essa vontade nunca deixou meu coração. Minha filha morreu e, se pudesse, eu estaria grávida já no dia seguinte. Mas respeitei as orientações médicas e comecei a tentar após seis meses. A cada tentativa e a cada menstruação eu sofria. A ansiedade foi crescendo. Outras mães que eu conhecia engravidavam. Tinham seus bebês arco-íris. E eu torcia por elas, vibrava com elas, acompanhava seus medos. E o meu filho ou filha não chegava… e eu doía… e eu rezava e parecia que Deus mais uma vez não me ouvia…
Descobri questões de fertilidade que dificultavam a gravidez. Aceitei todos os tratamentos. E meu bebê arco-íris ainda não veio… E eu ainda quero que ele venha.
Mas hoje já olho pra ele como um novo filho, não mais como uma tábua de salvação. Ele não vai vir pra ocupar o lugar da irmã ou pra preencher um vazio. Nem pra me dar esperança. Nem pra me ajudar a superar. Espero, sim, que ele venha, pra completar a nossa família. Pra me ensinar o outro lado da maternidade. Pra que a gente possa ter uma vida juntos.
A minha alegria, a minha esperança, a vontade de viver… tudo isso eu recuperei no meu processo de luto e autodescobrimento. Na verdade, ainda recupero dia após dia. Hoje eu tenho vontade de viver, independentemente de uma nova gravidez. Eu sei que minha vida vale a pena! Que o mundo é bonito e que eu quero estar nele e ser uma pessoa melhor. E este é o meu arco-íris!