Há 3 anos eu carregava uma dor imensa no peito. Uma saudade que tinha nome, sobrenome, algumas toalhas bordadas, mas que o cheiro, o rosto e a voz só existiam nos meus sonhos. Como minha menina foi esperada. Desde muito antes de engravidar, ainda na adolescência eu já sabia: Eu vou ter uma menina, que vai se chamar Ana Luiza. Quantas e quantas noites eu acordei de madrugada após sonhar com ela. Sonhos tão reais que seriam para sempre só sonhos. A Ana Luiza partiu com mais ou menos 15 semanas por um aborto mega traumático, com requintes de abandono, e violências obstétricas que me fazem suar frio só de me lembrar, mas que, independentemente de como o processo todo da perda se deu, ela foi embora e deixou no meu peito um vazio enorme, recheado com saudade dos sonhos que nunca vivemos, sentimento de injustiça e revolta.
Desde que a perdi escutei sistematicamente e de várias pessoas que, quando eu tivesse outro filho, eu esqueceria tudo o que me aconteceu. Em 2016, com faculdade concluída, num relacionamento muito bacana com um cara que acolheu a memória da minha filha como se fosse filha dele, eu já não aguentava mais carregar o pesado “colo vazio” e resolvi seguir o conselho das pessoas e “engravidar de uma vez”.
Para nossa surpresa tudo foi muito rápido. Enquanto com a Ana foram quase um ano de tentativas, na segunda gravidez foi no terceiro mês.
Mas, já de cara, percebi que as coisas não seriam tão fáceis. Junto com a alegria da notícia, me veio um sentimento que foi persistente por toda a gestação: o pânico. Todos os dias eu acordava em dúvida se meu bebê estava vivo, se estava bem e se assim permaneceria até o final do dia. Ao me deitar na cama, pensava que dormindo os medos desapareceriam, mas ele voltava em forma de sonhos e eu tive incontáveis pesadelos perdendo a nova gestação. Acordava aos prantos, com uma angústia sem fim.
Para me distrair, me cerquei de amigos e de familiares que não compartilhavam dos meus medos. Achava que, assim, eu não ficaria pensando nos riscos, e não alimentaria minha angústia. No entanto eu sabia e sentia que, por mais que eles quisessem me animar e me deixar bem, eles jamais entenderiam o que eu estava sentindo. E o fato deles minimizarem este sentimento, ou tentarem racionalizar meus medos, me deixava sentindo-me solitária e louca. De alguns até ouvi que meu filho precisava que eu pensasse positivo e fizesse tudo certo para que ele chegasse bem, mas qual garantia eu teria ao fazer isso que tudo daria certo? Enquanto eu esperava a Ana eu fiz tudo certo e jamais pensei que poderia perdê-la, e ela se foi.
A gestação pós-perda nos traz bem rente à pele um sentimento que já era conhecido ao perdermos nossos bebês. Por mais que tenhamos cuidado, façamos o nosso melhor e tomemos as melhores decisões, a realidade é categórica: Não possuímos o controle de absolutamente nada. A vulnerabilidade e o medo não são sentimentos facilmente maleáveis. Senti na pele o quanto a gestação do arco-íris foi muito mais difícil do que eu jamais imaginei.
Tive, então, a oportunidade de ter como companhia valiosa, no meu processo de gravidez pós-perda, outras mães de colo vazio do Sobreviver, além de acompanhamento psicológico ostensivo e um companheiro que diante do meu sentimento de vulnerabilidade dizia sempre: “Não importa o que aconteça, eu vou estar do seu lado.” Incrível como o fato de não estar sozinho torna nossa realidade mais leve.
Eram tantos sentimentos que me invadiam dia-a-dia, e tão difíceis de lidar. Uma hora era o medo de fazer enxoval e o bebê não chegar e eu precisar, de novo, me desfazer de tudo com meu peito sangrando. Outra, a sensação de estar traindo a memória da minha filha “colocando outro bebê no lugar dela”. Minutos depois a paranoia de medir pressão, glicemia, peso, ficar atenta se o bebê se mexe, se a calcinha está seca, se o corrimento está normal. Lembro-me que passei 9 meses tendo dores de cabeça diárias, mas sem contar para ninguém por medo que me dessem um remédio e ele fizesse mal para o bebê. E tudo isso intercalado por uma culpa enorme por não me sentir amando meu arco-íris, também tão querido e esperado, o suficiente. Eu não entendia que todo este meu medo era zelo por ele. Medo que ele fosse embora, de no final não o ter aqui comigo. O desejo de tê-lo em meus braços era tão grande que eu achava que morreria se ele não chegasse. Que sentimento poderia ser este senão o amor de mãe? E só eu sei quantas lágrimas foram vertidas até que eu pudesse perceber que minha realidade materna EM NADA se assemelharia à realidade das mulheres que nunca perderam seus filhos antes. E como poderia ser diferente, não é mesmo?
Apenas com 27 semanas, uma ficha caiu: as chances do meu bebê nascer agora e sobreviver são maiores do que os riscos dele nascer e morrer. Daí em diante, meus pesadelos começaram a diminuir e eu conseguia falar o nome do meu arco-íris de coração aberto. O Lorenzo estava chegando e, para mim, a cada dia ficava mais claro: ele vinha para tornar a nossa família, uma família com dois filhos. A primeira era e sempre vai ser a minha Ana, o segundo, meu Lorenzo que foi agraciado por um mero capricho do destino de nascer de 38 semanas, num parto dificílimo, de urgência, repleto de crises de pânico, onde eu oscilava a fé no futuro e a certeza de que ele morreria também.
E com meu filho no colo, os fiscais dos lutos alheios erraram de novo. Não só não esqueci da minha menina, como talvez nunca tenha pensado tanto nela como nos primeiros dias do pós-parto.
Ao pegar meu filho no colo me sentia roubada. Imaginava como teria sido pegar minha menina no colo, abraçar, beijar, amamentar. Meu Deus, como o Lorenzo era amado! Que benção era ter ele ali! E que pena que Ana não pôde conhecer o irmãozinho.
Nessa dualidade de sentimentos, mesmo com toda a terapia, rede de apoio médico, familiar, doula, fui reinvadida pela depressão. E ainda assim ajustamos a rotina, redividimos tarefas, voltei antes ao mercado de trabalho e fomos nos reconstruindo. Hoje, já é possível falar e compartilhar as minhas vivências com a perda e com meu arco-íris com a certeza de que não sou fraca por tudo o que senti, passei e vivi. Mas tudo isso contribuiu para que eu mesma me visse como mãe de dois filhos, mesmo que um deles não esteja presente.
A chegada do meu arco-íris mostrou-me que a Ana jamais voltaria. Além disso, que ninguém ocuparia o lugar dela. Pegar o Lorenzo no colo me esfregou na cara que a vida não parou enquanto eu chorava a falta da minha menina e que ela continuava. Que precisava continuar, mesmo que ela não fosse do jeito que eu queria, ou precisasse. E como doeu esse despertar de consciência.
A maternidade pós-perda nada tem da alegria, felicidade e inocência da gravidez anterior. O vínculo é construído dia após dia, semana após semana. Ela traz consigo a resiliência de compreender que para ver o arco-íris é preciso da chuva, mas não muda nosso desejo de que a chuva, no caso a perda dos nossos bebês, nunca tivesse ocorrido. Ela é uma bonita e dolorosa mistura do “que bom que desta vez meu bebê chegou bem” com ” como seria se meu outro filho estivesse aqui?”. Mistura esta que, no final, o bolo que me disseram que viria – um bolo cor de rosa, repleto apenas de alegrias, sem medo e que me fizesse esquecer de todas as dores que vieram antes – nunca chegou, e hoje tenho certeza de que nem vai chegar. Mas ainda assim, é uma alegria imensa poder chegar em casa, olhar para meu arco-íris e dizer: Que bom que você chegou. E ainda assim, que pena que sua irmã não está aqui.
Nossa.. não vejo a hora desse momento chegar pra mim!! O medo toma conta quando pensamos em uma nova gestação mais quero muito um irmãozinho ou irmãzinha para o meu Huguinho. Dói, como dói essa saudade.. 👼👼
Nossa é tudo exatamente assim que tb aconteceu comigo!!!! Estou com o meu bb de menos de 1 mês e ainda sinto imensamente a falta da minha filha. Essa maternidade não é nada fácil, é um misto de sentimentos…
Meu arco íris tem 38 dias de vida e os primeiros dias com ele foram complicados. Um misto de sentimentos, alegria, amor, mas uma angústia, ansiedade, medo, pânico que tomou conta de mim de uma forma que não consegui controlar e precisei de ajuda médica. Realmente uma nova gravidez após uma perda, é bem difícil, não tem nada de tranquilo. O medo fez parte dos ultrassons, dos exames, das consultas aonde ouviria seu coração… Hoje meu Bento está aqui em meus braços enchendo meu coração de amor e esperança, mas vou vivendo um dia de cada vez.
eu estou passando por isso, parece que vou surtar, o medo a cada dia aumenta, só peço a Deus que me ampare, que lacre meu ventre e meu arco íris venha com saúde, mais tá difícil, como está….
Nossa parece que está falando de mim eu sinto exatamente a mesma coisa estou com 16 semanas e sinto todos os dias aquela insegurança aquela vontade de escutar o coração de hora em hora pra vê se esta tudo bem. Eu perdi um filho com 32 semanas o coraçãozinho parou de bater e agora estou aqui na gestação do meu arco íris e uma mistura de sentimentos aquele medo de acontecer tudo de novo mesmo assim vou seguindo e agradecendo a Deus por cada semana conquistada e tendo a Fé que me breve estarei com o meu arco íris em.meu colo.
Oi, Carla
Que Deus abençoe sua gestação e que seu bebê arco íris venha com muita saúde e traga muita felicidade pra vc e sua família
Eu perdi meu filho com 33 semanas há 19 dias, choro pela morte do meu filho e pelo medo de não conseguir engravidar novamente (tentei por 3 anos).
Tive parto normal e a médica disse q poderia tentar novamente com 3 meses.
Quanto tempo depois do que aconteceu vc engravidou?
Beijos
Eiiii… eu estou grávida novamente de 5 semanas, isso após dois abortos espontâneos, o medo me consome, estou bem insegura.. peço a Deus que ele nao me deixe passar novamente por aquele processo doloroso que é uma perda e a curetagem… nesse processo so posso contar com.meu marido, tanto que a minha gravidez arco-íris esta em segredo.. por exatamente medo de falar pra alguem e acabar acontecendo novamente a perda…
Me senti amparada lendo esse relato lindo.
O coração do meu primeiro filhos parou com 22 semanas de gestação e o meu parou naquele momento também. Me senti acolhida pela minha família inicialmente, mas dias depois senti que não tinham mais “paciência” para o meu luto e as frases ” vc tem que seguir” ou ” você não sabe o que é ser mãe, pois se soubesse o quanto é maravilhoso iria querer engravidar de novo logo” me machucavam e faziam minha ferida aberta sangrar mais. Meu marido oscilava em compreender, falar da dor dele e querer fugir correndo daquela dor pensando só no futuro. Minha mãe e minha terapeuta foram os melhores colos para que eu chorasse, mas eu sentia que ainda era pouco para tamanha minha dor… Tive que escrever um pequeno livro, senti uma necessidade enorme de organizar meus sentimentos em palavras.
Hoje estou grávida de 4 semanas, tive que contar no trabalho devido a ter q me afastar pela pandemia, até que foi bom poder dividir a notícia. Confesso que me senti julgada por algumas pessoas por ter engravidado, se passaram só 5 meses da partida do meu filho ” vc quis?” me perguntaram, parece que quando estamos mais sensíveis o outro invade com mais facilidade … Estou feliz, claro que eu quis, mas sinto tanto medo, ainda não ouvi o coraçãozinho do meu arco-íris, todos os dias me consolo pensando que a própria concepção é um milagre, e que como disseram, não temos controle… O meu primeiro filho me ensinou a pensar menos nas possibilidades futuras e viver mais o hoje, ele me tornou mãe e por isso sou eternamente grata… Agora tento aplicar o ensinamento para afastar o medo… Pedi várias vezes pro meu marido nunca esquecer nosso primeiro filho e ele me prometeu que não, mas eu sinto que mesmo ele como pai não entende a conexão visceral que eu tive com meu bebê que deixou uma tatuagem no meu coração…