Carta de uma mãe (ou de um pedaço dela)

Querido filho!

Como você está?

Hoje é um dia importante. Está lembrado, Paulinho? Há exatamente um ano, você nasceu! Sua pressa foi um susto pra mim e pro papai, mas ficamos muito, imensamente, felizes por você ter nascido bem, principalmente depois de tudo o que a mamãe passou. Desde que soubemos que estávamos grávidos, nossa vida mudou, mas o seu nascimento foi incomparavelmente transformador.

Hoje, nesse mundo terreno, você completaria um aninho de vida… Um aninho!! Parece tão pouco tempo, mas pra mim e pro papai, parece uma eternidade. Não há um dia sequer em que não pensemos em você. Acho que você sabe disso. Talvez “dia” seja uma unidade temporal inadequada; não há hora em que não pensemos em você. Lembro de ti cada vez que meus olhos piscam. E, se demoram um pouco mais para abrir, vejo tua face. Às vezes, fico feliz. Às vezes, fico triste, mas de saudades porque tua partida não me é simples. Nem sempre dá pra segurar as lágrimas; elas se rebelam e até o papai se rende.

Sim, eu sei o que você vai falar, mas o que podemos fazer, filho, se papai e mamãe são imperfeitos? Quando rezamos pra você ficar conosco, não era bem assim que imaginamos… Queríamos você aqui para enchermos de beijinhos, para te ouvir balbuciar, para te ver dando os primeiros passinhos, pra ver tuas caretas ao experimentar as primeiras frutas. Hoje, no entanto, flagramo-nos pensando qual seria o som da tua risadinha, qual seria a primeira palavra, qual seria a tua fruta preferida, qual seria teu super-herói favorito, se você iria gostar da tal galinha pintadinha… Temos saudades desse futuro que não vivemos. Sabemos que você continua conosco, mas somos humanos e queríamos você aqui de outra forma. Daria meus braços, minhas pernas, meu pescoço, minha vida, todas as minhas vidas por você, filho. As lembranças ferem o peito, mas me encorajam. Como posso ficar triste se consigo lembrar do toque da sua pele?! Que privilégio que tive!

Tentamos viver a nossa vida, mas a todo momento você é lembrado. Não importa para onde vamos. Se vemos algo bonito, queríamos que você visse também. Se estamos com pessoas queridas, queríamos você junto. Nossos sorrisos talvez nunca mais tenham o mesmo brilho. As alegrias nunca mais serão completas. Quando vejo uma mulher grávida, mesmo sem conhecê-la, desejo do fundo do coração que tudo corra bem, que não passem o que passamos. Quando um nenê nasce e vai para o seio de sua família, fico feliz por eles. Quando vejo um bebê, meu coração aperta porque me lembro ainda mais de ti, mas ele sossega quando os olhinhos inquietos me fitam.

Peço teu perdão por tudo e por nada, querido. Queria poder fazer algo por você, além de rezar. Sim, eu sei que você está bem. Amigos me avisaram. Sei que você está com Deus e que é muito iluminado. Aliás, acho que Deus deve ter se confundido em ter permitido que eu gerasse um ser tão iluminado assim! Mas se Ele se confundiu, eu que não iria avisar, porque era incrivelmente bom sentir você se mexendo no meu ventre, filho! Esquecia até minhas náuseas e enjoos. Lembra da música que a mamãe cantava pra você na barriga e na incubadora? Você não vai acreditar, mas teus dindos escolheram essa música pra tocar no casamento deles! Ah, claro que você acredita… Você estava lá abençoando. Tenho certeza disso!

Todo o dia, durante este longo ano, papai e eu recolhemos nossos cacos, nossas migalhas, para edificar a nossa fortaleza. Juntamos cada caco com uma mistura de amor e fé e rebocamos com essa mesma mistura. Mesmo com tanto e constante trabalho, umas partes parecem meio frágeis e temos de correr rapidamente para não deixar nossa fortaleza ruir e, então, sustentamos com mais daquela mistura. Em um ano, já está alta. E vamos erguer ainda mais esta fortaleza, meu filho, até chegar no céu. Quem sabe, assim a gente consegue ficar mais pertinho de você, não é? Mamãe e papai não cansarão, jamais.

Mamãe já escreveu demais. Nem sei por que escrevo, filho. Também não sei por que posto. Parece que assim você tomará conhecimento. O irônico é que sei que você sabe de tudo isso mesmo sem eu ter escrito. Sei que você sabe que essa carta paradoxal não é nada perto de tudo o que passa pela minha mente, pelo meu espírito. Sei que você sabe que te amo, não importa onde está, não importa o tempo. Papai e mamãe te amam pra sempre. <3 Com amor, Mamãe

(Paulinho nasceu dia 06 de junho de 2017, com 46cm e 1,120kg. Desencarnou dia 12 de junho de 2017, dia de aniversário de noivado nosso. No dia seguinte faleceu sua bisavó, que foi internada após seu nascimento. Esta carta escrevi no dia 06 de junho de 2018, publicando-a em meu Facebook)