Amar meu corpo não é uma coisa fácil para mim.
Não completamente…
Veja, eu tenho duas filhas. Ambas morreram antes do nascimento. E, embora eu realmente não fale muito sobre isso, porque eu não estou 100% certa, eu tenho certeza que eu tive um outro aborto precoce entre essas duas gestações.
Meu corpo nunca trouxe com sucesso uma criança viva do meu ventre para meus braços. Ele falhou com todos os meus bebês, e a comigo também…
Passar por uma perda gestacional/neonatal é algo que pode realmente estragar a relação de uma mulher com o seu corpo. Meu sentimento (e o de centenas de outras mães que tiveram perdas como eu) é que fui traída pelo meu próprio corpo. Ele fracassou em trazer os meus bebês com segurança até o nascimento e para vida fora do útero. Muitas vezes há uma sensação de que há algo de errado conosco ou com nossos corpos que causaram a morte de nossos filhos.
Eu senti como se meu corpo estivesse me punindo.
Outras mulheres me disseram que sentiam que seu ventre era como uma zona de guerra ou uma armadilha mortal para os seus bebês.
Isso é muito real quando não temos nenhum filho vivo nos braços: quando não temos nenhuma evidência de que o nosso corpo pode permitir uma gestação tranquila e um bebê saudável ao nascer.
O mundo gosta de nos dizer que o corpo de uma mulher é feito para nutrir seus filhos e também feito para trazê-los com vida a esse mundo, e que podemos confiar nele, porque ele naturalmente sabe como gestar e parir. Isso é um conceito maravilhoso!! Mas o que acontece quando ele não pode ou simplesmente não o faz por razões desconhecidas? O que acontece quando os nossos filhos morrem várias vezes dentro do útero que, supostamente, é o lugar perfeito para nutrir e protegê-los?
Como é amar e confiar em seu próprio corpo depois disso?
Já fazem 13 anos desde que minha primeira filha morreu e mais de 6 desde a que minha segunda filha morreu também. Eu ainda enfrento esse sentimento de ter sido traída pelo meu próprio corpo.
Nos últimos dois anos, no entanto, eu tenho trabalhado para aprender a amar e confiar em meu corpo novamente. Não tem sido fácil. Minha terapeuta não gosta quando eu falo sobre o meu corpo ter falhado ou me traído. Ela se esforça para entender, mas é difícil para ela, pois tem dois filhos lindos, vivos, respirando e saudáveis, de modo que sua experiência com seu corpo e habilidades do seu corpo é muito diferente da minha. Seu corpo fez o que deveria fazer: alimentou e fez nascer os seus filhos para a vida na Terra.
Ainda assim, como terapeuta, tem me ajudado a aprender a ser mais amorosa e confiante com o meu corpo. Aprender a aceitá-lo e ser gentil com ele, em vez de ficar ressentida e com raiva. Aprender a cuidar do meu corpo e nutri-lo, ao invés de punir e abusar dele. Para ouvir o meu corpo, em vez de ignorar e rejeitar sua sabedoria.
Eu gostaria de poder dizer para você agora: “Esse é o caminho que eu descobri! Veja como você fazer as pazes com seu corpo novamente e aprender a amá-lo. ”
Mas eu não posso. Estou cada dia mais perto de descobrir isso por mim mesma, mas eu ainda não cheguei lá.
Por enquanto, meu comportamento padrão é ainda desconfiar dele. Eu ainda luto para me sentir completamente segura de sua capacidade de me abrigar com segurança e ser saudável e forte. Optei por não tentar ter mais filhos, porque eu não confio em sua capacidade de mantê-los seguros.
No entanto, tenho percorrido um longo caminho. Nesses quase 3 anos venho trabalhando na criação de um melhor relacionamento com o meu corpo. Estou significativamente mais amável, mais compassiva, mais carinhosa, e mais confiante nele do que eu era há 3 anos atrás.
Eu o escuto mais: ele compartilha um monte de informações úteis comigo quando eu dedico meu tempo para ouvi-lo.
Eu o alimento melhor: consumo alimentos mais saudáveis, pratico atividade física, também me movimento mais. Falo com meu corpo de maneira mais gentil e sei melhor hoje sobre o que ele precisa.
Eu o aceito mais. Não estou completamente feliz com seu tamanho ou forma, mas aceito melhor como ele é. Chamo carinhosamente a minha barriga de Buddha (porque me faz rir e quem pode ficar com raiva de Buda?).
Perdoá-lo é um processo. É um processo que leva muito tempo e precisa da minha atenção. Não é muito diferente de perdoar entes queridos que, profundamente, já tenham nos magoado. Não é muito diferente do luto por minhas filhas. Esse sentimento vai e vem em ondas – alguns dias eu sinto amor e carinho pelo meu corpo, outros dias não tanto.
Amá-lo e perdoá-lo é uma escolha que tenho que fazer todos os dias. Todos os momentos. Algumas vezes eu falho nisso. Outras faço isso muito bem! Gosto de pensar que estou ficando melhor nisso com o tempo e pelo meu esforço a cada dia. Tenho esperanças de que um dia, eu vou simplesmente ser capaz de amar e confiar neste meu corpo, de forma fácil e o farei incondicionalmente.
Eu gostaria de poder dizer que sou a única que luta com isso, porque não é um coisa fácil ou divertida de vivenciar. No entanto, eu sei que eu não sou e que isso é muito, muito mais comum do que qualquer um de nós pode imaginar. Amar e aceitar o próprio corpo após um aborto ou óbito fetal é um desafio. Muitas vezes não se fala sobre isso, mesmo nos grupos de gravidez ou de perdas.
Falar sobre isso muitas vezes leva os outros (geralmente as pessoas com pouca ou nenhuma experiência de perda gestacional) a tentarem me fazer sentir melhor ou me dizerem que meu corpo ainda merece confiança e amor e carinho. É bem intencionado, mas inútil.
Acredite em mim, eu quero ter um relacionamento amoroso e de confiança com o meu corpo. Estou trabalhando duro nisso!
Nesse meio tempo, eu desejo que as outras pessoas apenas reconheçam a minha dor de não vivenciar isso. Eu só quero que você compreenda a dor e raiva que eu sinto em relação ao meu corpo por não manter minhas bebês seguras e protegidas. Você não tem que concordar comigo. Apenas aceite minha dor como justa.
Me deixe onde estou. Sem pressão. Respeite meu momento e continue me amando apesar disso.
Me ame até que eu possa aprender a amar o meu corpo novamente.
Alimente-me até que eu possa aprender a nutrir meu corpo novamente.
Aceite-me onde estou até que, um dia, eu vou ser capaz de dizer com total confiança no que digo:
“Meu corpo fez o melhor que podia e eu o amo por isso.”